Estudos “cegos” ou “mascarados”?

Elemento importante a se considerar, no delineamento e na condução de um ensaio clínico, é o “mascaramento”, pois desconhecer, intencionalmente, o tratamento que cada indivíduo a ser avaliado está recebendo, evita subjetividades, tendenciosidades e preconceitos, que poderiam introduzir viezes (bias). O “mascaramento” também é importante em alguns estudos tipo cohort.

No primeiro caso, é possível, com a administração de placebos aos participantes do grupo- controle, realizar estudos nos quais nem o observador nem o indivíduo saibam qual o tratamento administrado (“duplo-mascaramento”); já no segundo caso, na maioria das vezes, os participantes sabem a que fator de risco estão expostos (“mascaramento simples”).

Até 1986, quando participei de um curso sobre metodologia de pesquisa, ministrado por docentes do National Eye Institute – NEI (National Institutes of Health – USA), eu utilizava como quase todos os oftalmologistas brasileiros, as expressões “cego” e “duplo cego”. Na ocasião, fui convencida de que, especialmente na área de Oftalmologia, essas expressões poderiam causar confusões. Um exemplo é a pergunta feita por um paciente convidado para participar da pesquisa de certo oftalmologista, depois de ler o termo de consentimento, no qual constava que o estudo era “duplo-cego” – “Doutor, eu vou ficar cego dos dois olhos?”.

A partir de então, em todas as aulas e palestras que ministrei sobre Metodologia de Pesquisa em Oftalmologia, fiz uma campanha pela mudança das expressões. Com a ajuda de outros colegas, que em diferentes ocasiões freqüentaram o curso do NEI, consegui muitos adeptos.

No ano de 1999, esse foi um dos temas de discussão, por correio eletrônico, da Word Association of Medical Editors (WAME). No início de janeiro de 2000, Tom Lang divulgou os resultados das opiniões de aproximadamente 75 pessoas (membros da WAME, outros editores de revistas científicas, tradutores) etc. que vivem em diferentes continentes e que pertencem aos mais diversos grupos lingüisticos. Considerados os termos “blinding” e “masking”, ganhou “masking” com uma proporção de votos de 3:1.

No entanto, um número de respondentes próximo ao que preferiu “masking” declarou que os dois termos podem ser usados, indiferentemente. A discussão foi interessante. Alguns que já haviam dado sua opinião voltaram a se manifestar, estimulados por opiniões de terceiros. Houve até quem perguntasse por que não mudar o adjetivo usado para as pessoas que não enxergam. Outra sugestão foi a introdução da expressão “assignment concealment”. Os respondentes que preferiram “blinding” alegaram que o termo (introduzido há mais de 200 anos) é consagrado e não há razão para mudar. A maioria dos que preferiram “masking” afirmaram preferir este termo para evitar confusões com a condição de ausência de visão, e alguns por não considerar “blinding” politicamente correto.

Concluindo, como editora da Revista Medicina – Ribeirão Preto, aceitarei as duas expressões, embora como professora de Oftalmologia, continuarei minha campanha pró “masking.” O que realmente importa é que meus alunos aprendam a importância do desconhecimento intencional do grupo a que seus pacientes pertencem, quando estiverem pesquisando o efeito de tratamentos ou a influência de fatores de risco.

Profa.Dra. Maria de Lourdes Veronese Rodrigues
Editora

By |2022-05-13T14:07:52-03:00maio 13th, 2022|Transdisciplinaridade|0 Comments

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