GEPECH

Resumo: Ao criar a psicanálise no final do século XIX, o médico neurologista Sigmund Freud tinha por objetivo torná-la uma ciência, não encontrando bases científicas na época para isso. Mas a psicanálise se desenvolveu por mais de um século, ganhando muito campo e atenção. Hoje, principalmente com o avançar das neurociências, os ideais de Freud estão se tornando possíveis e se concretizando por meio da neuropsicanálise.    

 

Abstract. When doctor Sigmund Freud created the psychoanalysis in the nineteenth century, He aimed to make it a science, however he did not find scientific basis for that.
Psychoanalysis has existed for more than a century and has gained space and attention. Today, especially with the advancement of the neurosciences, Freud’s ideals are becoming possible and real through neuropsychoanalisis.  

 

Paulo de Mello: Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comportamento Humano (GEPECH/CEMCO/UNIFESP).

 

 

  • Como e onde teve inicio a Neuropsicanálise?

 

 

  Na verdade o conceito por trás da Neuropsicanálise teve seu início com Freud em 1895, quando ele tentou aproximar a neurologia dos fenômenos mentais por ele observados no seu trabalho “Projeto para uma Psicologia Científica”. Entretanto ele mesmo admitiu a dificuldade em se compreender os mecanismos biológicos e dinâmicos presentes no tecido cerebral e responsáveis pelos inúmeros fenômenos mentais. Freud acreditava que um dia a ciência e a psicologia se aproximariam e que isso levaria o tempo necessário para que a ciência se desenvolvesse o suficiente para nos trazer melhor compreensão do funcionamento cerebral. Sofreu ele forte influência da escola austro-alemã, que apoiava-se no estudo anatomo-clínico e localizacionista para desvendar os mecanismos neurais. Entretanto a limitação deste método, para a época, o levou para próximo de Charcot, da escola francesa, o qual dedicava-se a observar os fenômenos e descrevê-los – o que podemos chamar de uma visão sindrômica e quase fenomenológica da doença. Freud então passou a se ocupar de observar os fenômenos mentais e relacionais e a descrevê-los. Para isso, desenvolveu uma linguagem própria, pois faltava na época, conceitos que descrevessem o que Freud observava. Surgia então a psicanálise e em 1900, ficava claro que ele se enveredava por um caminho que a princípio o afastava da ciência. 

 

  1. Como se deu o desenvolvimento da Neuropsicanálise ao longo do tempo?

 

Infelizmente, os psicanalistas, não todos, mas a grande massa crítica, afastaram-se de Freud ao se afastar da ciência. Fizeram de Freud algo intransponível e idolatrado. Ao estudá-lo, esqueceram das idéias inovadoras e do desejo de Freud, de aproximar a neurologia da psicanálise. Freud era um cientista. Entretanto, infelizmente ou felizmente, alguns dos pilares básicos da psicanálise, como o conceito de “inconsciente” ou mesmo a “atenção flutuante”, dificulta em muito o desenvolvimento de estudos respeitando-se a filosofia da ciência atual. Então, ao invés de se estudar a epistemologia – do corpo de conhecimento da psicanálise – e assim, se esforçar em desenvolver métodos de pesquisa e estudos, mesmo que qualitativos, por que não quantitativos em psicanálise, os psicanalistas fecharam-se numa bolha de conhecimento e não perceberam o óbvio; que a psicanálise é o que se tem hoje de mais completo quando falamos de “teoria de desenvolvimento humano” e isso graças ao Freud, por que depois dele, pouco se fez para o desenvolvimento da psicanálise. Aproximar a neurociência da psicanálise, ao contrário do que se possa pensar, não tem por objetivo auxiliar a psicanálise na tentativa de provar que ela é útil e eficaz, mas sim, por meio da transdisciplinaridade, expandir seus horizontes, horizontes da neurociência e da psicanálise. São conceitos factíveis de serem associados e isso sem dúvida expande os limites de ambos; da psicanálise e da neurociência. Mark Solms, deu um passo importante em usar estudos anatomo-clínicos na tentativa de se entender a relação entre áreas cerebrais e fenômenos descritos na psicanálise. O desenvolvimento da Neuropsicanálise pode gerar intervenções mais eficazes e creio que interseccionar estes dois corpos de conhecimento só trará benefícios a aquele que sofre. Aumentará a eficácia da neurociência e seus psicofármacos e aumentará a eficácia da psicanálise cuja profundidade, no que diz respeito ao conhecimento da mente humana, é incomparável.    

 

  1. Em quais casos e tratamentos a Neuropsicanálise pode ser aplicada?

 

A Neuropsicanálise não é uma nova ciência, tão pouco uma nova metapsicologia. Mas é o resultado, em construção, de um novo modo de se perceber a relação entre o conhecimento que se tem hoje e que continua em pleno desenvolvimento das funções neuroimunoendócrinas, da neurotransmissão, da neuroplasticidade e da ativação neuronal com a psicanálise e seus pilares: o inconsciente, o determinismo psíquico, a atenção flutuante e as relações objetais. Hoje, no GEPECH, estamos desenvolvendo estudos que envolvem, por exemplo, a compreensão da relação no desenvolvimento de doenças auto-imunes e o modelo de posições kleinianas. Assim, por exemplo, poderemos inferir, se verdadeiro, que pacientes com dificuldade de perceber o objeto como Total nas suas relações objetais são mais predispostos ao desenvolvimento de doenças auto-imunes sempre que sofrerem de defusão do objeto. Se tais pesquisas tiverem os resultados esperados, terão um impacto preditivo para doenças auto-imunes em pacientes submetidos à psicoterapia psicanalítica. Assim, o psicanalista saberá até onde poderá ir antes do paciente ativar uma dessas doenças, ou mesmo, o que fazer, por exemplo, dar continência ao cliente, talvez, desenvolver transferência de cunho materno antes de explorar a ansiedade de defusão afim de minimizar os riscos do desenvolvimento de uma doença muitas vezes incapacitante. Isso talvez implique na necessidade de um novo posicionamento do terapeuta no setting analítico, mas em nada mudará os conceitos de inconsciente ou de atenção flutuante, por exemplo. Publicamos em 2017, um artigo (Neurociências • Ano 2017 • Volume 13 • Nº 1), o qual se constata que 72% dos pacientes estudados encontram-se nesta posição psicanalítica sob o risco de adoecerem dependendo do modo como são trabalhados durante a terapia.  

 

 

  • Como surgiu o GEPECH?  

 

  

O Grupo teve início em 2005, motivado pelo desejo que eu nutria de desenvolver um modelo de atendimento mais eficaz na assistência à pacientes com questões disfuncionais de ordem mental, emocional e existencial. Sempre vi, na prática, a psicoterapia comportamental e cognitivo comportamental como um modelo útil mesmo que deixasse a desejar sobretudo por que não valoriza a subjetividade humana dentro do processo terapêutico. À despeito dos resultados publicados, é fácil entender as imensas limitações da técnica quando a utilizamos em atendimento, não que não seja útil, mas é limitada. Por outro lado, temos a psicanálise e os psicanalistas, presos ao modelo freudiano como a um tabú. Fácil é também entender a maravilhosa profundidade do conhecimento psicanalítico e isso me apaixona, mas junto com o setting psicanalítico vem a lentidão dos resultados e a falta de coadunância no comportamento dos psicanalistas, cada um em sua dissidência, seja junguiana, kleiniana, lacaniana etc, ferrenhos na defesa de ”sua” teoria como sendo a mais certa e até a mais eficaz. Falando da ciência, acredito que a ciência está fadada a uma profunda reformulação e mudança de paradigma, pois quanto mais científico “se é”, mais se afunda e cada vez mais a corda aperta envolta do pescoço. Criam-se novas especialidades para se tentar preencher os buracos de antigas especialidades. Assim criam-se novos buracos negros, a especialidade da especialidade da especialidade e daqui a pouco seremos todos profundos ignorantes especializados e todos felizes por sermos os donos do saber, mesmo que por ser tão diminuto e distante da “alma” humana, este saber, em algum momento, nada signifique. Enfim, porque não usarmos da transdisciplinaridade e tentarmos compreender o que tais conhecimentos tem em comum? Será que podemos expandir os limites epistemológicos de cada uma destas áreas de conhecimento na tentativa de se melhorar nossa atuação profissional e a qualidade de vida das pessoas? Para mim, nada está separado e por mais estranho que pareça, áreas de conhecimento aparentemente distintas guardam entre si muitas afinidades. Sempre tive a sensação que muitos profissionais e acadêmicos, sustentam-se, a si e ao ego, na base do poder do sectarismo acadêmico. Todos buscam no saber a segurança e pior, a auto-estima. O GEPECH foi estruturado com a pretensão de se conhecer o “elefante” por todos os lados da melhor maneira possível e para isso precisávamos de pessoas com formações e mentalidades distintas. 

 

 

  • Como o GEPECH está estruturado?

 

 

Atualmente o GEPECH é composto por 6 áreas. São elas: área de Neurociências, Psicanálise, Filosofia, Psicologia Corporal, Estados Especiais de Consciência e de Metodologia de Estudo, Pesquisa e Publicação; que trabalham uníssonas objetivando o desenvolvimento do conhecimento a cerca da aplicação da Neurociência à Psicanálise. O objetivo principal disso tudo é o de se desenvolver um modelo de atendimento que leve em consideração essa gama de conhecimentos a favor do desenvolvimento humano e alívio àquele que sofre. O resultado inclui o desenvolvimento de mais de 2.000 horas aula de conhecimento. O modelo já está desenvolvido e os trabalhos começam a aparecer e florescer. Estamos envolvidos em alguns projetos que seguem a diante com base no imenso esforço, paixão e interesse do grupo. É verdadeiramente um trabalho em equipe que conta com 20 profissionais, entre coordenadores de área e pesquisadores. O GEPECH acaba de adquirir para suas pesquisas, um equipamento de TMS (Transcranial Magnetic Stimulation), o que incrementará nossas pesquisas no campo da Neurociência aplicada à Psicanálise. Para o desenvolvimento de nossas pesquisas, o GEPECH trabalha em conjunto com o Centro de Estudos e Pesquisa em Comportamento Humano (CEMCO/UNIFESP), também com a Escola de Psicanálise de São Paulo (EPSP), o Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Oral e Sistêmica – Depto de Dermatologia e Odontologia (GEPSOS/UNIPESP) e o Instituto Brasileiro de Análise Reichiana (IBAR). Desenvolvemos estudos, pesquisas e ministramos cursos em Neurociência aplicada à Psicanálise.

 

Referências

  1. Mello, P.; Bertini, E.; Monson, C. A.; Costa, R. R. P.; Leite, J. R. Neuropsicanálise e a classificação das posições psicanalíticas neo-kleinianas. Neurociências & Psicologia, 2017, 13:1, pags 21-32.
  2. Solms, M. The neuropsychology of dreams: A clinical-anatomical study. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates; 1997.
  3. Solms, M. & Solms, K. K. Clinical studies in neuro-psychoanalysis: introduction to a depth neuropsychology. Second Edition. Edit Karnac books. London/New York; 2005.
  4. Solms, M. e Kaplan-Solms, K. O que é a Neuro-Psicanálise: a real e difícil articulação entre a neurociência e a psicanálise., São Paulo: Terceira Margem; 2004.

 

Autor:

Dr. Paulo de Mello

Médico Neurologista Clínico pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP

Especialista em Medicina Comportamental pela UNIFESP

Psicanalista neo-kleiniano e Mestre em Psicologia da Saúde pela UMESP

Coordenador do GEPECH – Grupo de Estudos e Pesquisa em Comportamento Humano (CEMCO/UNIFESP)

By |2022-07-28T22:30:12-03:00julho 27th, 2019|Neurociência aplicada à Psicanálise|0 Comments

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